Teoricamente morrerei aos 60 anos.
Claro que se não fumasse poderia esticar-me até aos 70, mas pensando bem, seriam 10 anos em que o corpo não responderia aos impulsos do cérebro... e nessa altura possivelmente o cérebro já nem existiria.
É possível que o meu único neurônio sobrevivente não agüente tanto. Teoricamente poderei ter Parkinson... o que me facilitava a vida: posso esconder os meus próprios ovos de Páscoa.
Supondo que fique pelos 60, significa que estou precisamente a meio da minha vida. Se for pensar que durante estes anos restantes poderei ter uma vida ainda mais complicada, posso tirar 9 meses por gravidez (já que se vive num estado de tal graça que nada mais importa), posso tirar mais 8 meses, no mínimo (enquanto a criança não me deixa dormir), tiro 2 meses por estar com gripe (porque fico sem cabeça para mais nada), tiro 39 meses (credo, tanto!) em que estou com TPM (dias em que nem me agüento a mim própria).
Isto quer dizer que aos 30 posso retirar quase 5 anos... faltam 25.
Também posso morrer a atravessar a rua. Pode cair um meteorito em cima de mim. Ou mais: nos dias em que me dá na cabeça para ir para a auto estrada sentir adrenalina, posso bem ter um acidente.
Quer dizer que é possível que tenha muito menos tempo de vida do que imagino.
A idéia não me agrada muito. Posso dizer que não me agrada nada. Na verdade são só uns míseros anos que tenho pela frente, com tudo por fazer. Não pode ser assim. Ainda não vivi a vida que tenho que é minha... É o que sinto. Que ainda nem sequer comecei a viver. E tenho pressa.
Não quero esperar... esperar o quê? Preciso nascer com urgência.
Quero sentir a vida a correr nas veias, sentir que pode não haver amanhã, que amanhã posso não acordar... e quem irá ler os meus livros? Quem irá viver por mim os amores que podiam ser e não foram? Quem terminará todas as histórias que tenho por acabar?
Ninguém... esta vida é só minha. E hoje eu posso escolher qualquer caminho. Posso decidir sofrer ou amar de todas as formas possíveis... nas tantas formas de amar.
Preciso comemorar tanta coisa... Tem que ser hoje. Tenho que dizer a quem gosto de verdade, que gosto de verdade. Tenho que deixar as palavras que estão presas, saírem. Não me apetece sentir que ficou tudo por fazer... não quero isso.
Não quero adiar a vida em esperas inúteis. Se sou feliz assim, mesmo faltando tantas coisas, quero brindar, em forma de agradecimento. Quero agradecer cada segundo que tenho ao meu dispor, antes que a cortina se feche... antes de tudo termine.
E se esse ultimo dia for hoje?
O espaço voltará a ficar vazio, tal como estava antes de eu chegar. Alguém sentirá a ausência? Saudade?
E quando já não houver lembrança do que fui, quando já não houver memória, quando já ninguém sentir falta, aí sim... fica o espaço. O vazio. Quando partir, toda a vida continua... sem mim. Mas enquanto cá estiver quero encher este vazio de mim, de tudo aquilo que sou.
Mas não quero mudar nada. Quero ser este emaranhado de confusões, porque gosto. Quero continuara a rir daquilo que sinto, que penso que sou... a rir-me de mim. A ver sempre o lado mais cômico de tudo, tirar proveito das coisas mais não seja para aprender. Continuar a acreditar que não há más experiências. Quero continuar a acreditar no melhor das pessoas. E quero, acima de tudo, sentir sinceridade nas palavras. Isso sim, é o meu objetivo. E sei que vou conseguir. Haverá um olhar que me dirá que sim, que há verdade nas palavras. Que as palavras nem sempre são vãs. Que podem ser sentidas e intemporais.
E vamos combinar? É preferível ter uma puta de vida que uma vida de puta. A vida é ingrata? Que se fo**! Eu estou viva! E nem vale a pena pensar no que poderia ser... faltará sempre alguma coisa.
Quero viver todos os amores... todos. Quero viver todas as loucuras e sentir a pele que se rasga, por amor. Não vou perder para só depois sentir a falta. Não terei no sexo o consolo, só porque me falta um grande amor. Eu tenho tantos pequenos grandes amores... e vou dizê-lo. Cada coisa há seu tempo... antes de existir fruto, houve uma flor. E chegou o tempo exato. Quem sabe possa ainda ter tempo para ouvir as palavras que corações teimam em calar?
Quero viver. Apaixonar-me por tudo o que tenho em mim, por tudo o que encontro nos outros. E continuar estes poucos anos que faltam, sorrindo. Afinal sou uma heroína... e as heroínas morrem de pé.
Não será amanhã, é agora.